Para a ocorrência da cetoacidose diabética (CAD) é necessário a deficiência de insulina combinado a exposição a hormônios diabetogênicos como catecolaminas, glucagon, cortisol, hormônio do crescimento (GH) e progesterona. Muitas vezes, esta emergência é negligenciada, pois mais de 30% dos pacientes que são atendidos com CAD não possuem histórico prévio de Diabetes Melittus (DM).
A deficiência de insulina pode ser decorrente da ausência do diagnóstico de DM, subdose no seu
tratamento, resistência à insulina provocada por processos inflamatórios/infecciosos e/ou associada
a endocrinopatias como o hiperadrenocorticismo e acromegalia.
Qualquer doença sistêmica pode predispôr a CAD como a piometra, pancreatite, HAC, gastroenterite, colangite, lipidose, DRC, entre outras. Os sinais clínicos são letargia, vômitos, anorexia, decúbito lateral, prostração e depressão, com sinais da doença concomitante. Ao exame físico observa-se desidratação moderada a grave, hálito de acetona, depressão, taquipnéia, respiração Kussmal (lenta e profunda), estupor/coma (devido a hiperosmolalidade). O estado de hiperosmolalidade sanguínea ocorre quando a glicemia é maior que 540 mg/dL e a osmolalidade do plasma maior que 350 mOsm/L. Quando a há hiperosmolalidade ou hipernatremia (Na > 140), não se deve usar SF 0,9% na cetonemia pois pode agravar a acidose.
Os sinais laboratoriais da CAD são hiperglicemia, glicosúria, cetonemia (BHB > 2 e geralmente com a glicemia > 400mg/dL) e cetonúria. A mensuração de BHB pode ser feita a partir de sangue total em glicosímetro portátil (Free Style Optium Neo®), já o aceto-acetato e a acetona são detectados na urina e o fato de não ter cetonemia não exclui cetonúria, portanto, recomenda-se realizar a urinálise em conjunto. Geralmente, os pacientes com ß-OH-butirato inferior a 3 nmol/L não apresentam sinais clínicos.
Os pacientes atendidos com hipercetonemia e cetonúria sem acidose, na maior parte dos casos, es-
tão se alimentando, e o tratamento deverá ser com insulina Regular (0,1 U/kg) por via intramuscular a
cada 8 horas nos cães, e insulina glargina (0,5 U/kg) por via subcutânea a cada 12 horas em gatos, mas somente após hidratação e reposição de potássio, pois a principal causa de morte é o uso de insulina regular precoce.
Aqui estão os passos a seguir ao internar o paciente:
- HIDRATAÇÃO - o objetivo é restabelecer a volemia por 4 a 6 horas para corrigir o desequilíbrio hidroeletrolítico, melhorar perfusão tecidual, diminuir a glicemia e corrigir hipocalemia e hipotensão.
Sendo a reposição de 20% do déficit total na 1ª hora de fluidoterapia, 30% nas próximas 5 horas e, finalmente reposição dos demais 50% restantes nas próximas 18 horas. - REPOSIÇÃO DE POTÁSSIO - conforme dosagem de potássio sérico, feito em bomba de infusão.
- INSULINOTERAPIA (protocolo IM) - A utilização da insulina regular é indicada somente após 4 horas de hidratação e níveis de potássio dentro da normalidade. O objetivo da insulinoterapia na CAD é interromper a produção de corpos cetônicos e controlar a glicemia lentamente (entre 50-100 mg/dL/hora) para não promover a queda rápida da osmolalidade.
O recomendado é dosar a glicemia cada 2 horas, ß-OH-butirato e detecção de cetonúria e glicosúria a cada 4-6 horas; sódio, potássio, uréia e gasometria (se possível) a cada 12h. Tente manter as glicemias maior que 250mg/dL.
A dose inicial da insulina regular por via IM é 0,2 U/kg, seguida de doses de 0,1 U/kg a cada hora até a glicemia ficar entre 250-300 mg/dl.
Caso a glicemia esteja menor 250 mg/dL e o paciente não queira comer e/ou o BHB não normalizou, o intervalo entre as aplicações deverá ser a cada 6 ou 8 horas.
Quando a glicemia estiver < 200 mg/dl, iniciar fluidoterapia com solução glicofisiológica, e manter a insulina regular a cada 6 ou 8 horas. Voltou a comer, retira do glicofisiológico.
Quando o BHB normalizar ou o paciente voltar a comer, recomenda-se a aplicação da Insulina NPH
ou Caninsulin® se for cão, ou glargina se for gato, e aplicar mais uma dose de insulina regular IM.
Se normalizou corpos cetonemia e cetonúria mas não voltou a comer, procure outra causa como DRC, pancreatite, pielonefrite... - TRATAR DOENÇA DE BASE - é importante o controle da dor, vômitos, infecções, dislipidemia e outras possíveis comorbidades, como pancreatite, mucocele/colestase, gastroenterite, lipidose DRC, cistite, piometra (castrar o quanto antes), neoplasias, doença periodontal grave, hemoparasitoses, entre outros. Qualquer doença inflamatório/infecciosa pode dificultar o controle glicêmico.
A CAD tem prognóstico desfavorável e os principais agravantes para aumentar o tempo de internação são hipoglicemia, hipocalemia, anemia hemolítica, hipernatremia, oligúria persistente, hipotensão persistente e edema cerebral.
E o bicarbonato, precisa sempre repôr?
A reposição de bicarbonato está contraindicada na maioria dos casos, pois promove piora da hipocalemia, da cetogênese, edema cerebral, da acidose intracelular por maior da produção de dióxido de carbono (acidose cerebral paradoxal). A reposição de bicarbonato é indicada quando o pH é menor 7 e o bicarbonato menor que 8mEq/L e somente após fluido, reposição de K e com gasometria pareada.
HIPERGLICEMIA HIPEROSMOLAR - complicação grave e rara da DM, na qual há insulina suficiente para inibir a cetogênese mas não para diminuir a glicemia, o paciente tem sinais clínicos iguais a CAD mas sem cetonemia e com glicosúria e cetonúria. A hipovolemia e hiperosmolalidade são os problemas a serem corrigidos. O tratamento é com fluidoterapia conservadora por no minímo 6h e após potássio > 5, pensar em usar insulina regular.
Espero ter ajudado!